O sono do adolescente é algo bastante complexo. Pesquisas médicas apontam que a chegada à puberdade modifica o relógio biológico dos adolescentes. Não existe uma explicação científica muito detalhada,  mas sabe-se que o metabolismo dos adolescentes sofre mudanças equivalentes a um “horário de verão interno”.

Esta é uma condição conhecida como “atraso de fase”. Ou seja, basta entrar na puberdade que começam os problemas no sono do adolescente. A insônia e o sono excessivo pela manhã, justamente no horário em que as crianças deveriam estar totalmente despertas para iniciarem o período de estudos.

“Porque isso acontece ninguém faz ideia, mas as alterações hormonais são uma boa aposta”, diz Dr. David Gozal, pediatra especialista em sono da Universidade de Chicago.

“Paradoxalmente, este período de puberdade é associado a um aumento da necessidade de um sono do adolescente mais intenso e prolongado. Contudo, eles estão em conflito com o horário de sono da nossa sociedade”, diz o especialista.

Em razão disso, alguns grupos de advogados e administradores dos Estados Unidos, e até mesmo a Academia Americana de Pediatria (AAP), propuseram que as escolas de ensino médio estabelecessem novos horários de início das aulas – preferencialmente mais tarde do que o habitual.

Com isso, os estudantes passariam a ter mais tempo de sono. Numa declaração feita em agosto de 2014, a AAP confirmou o incentivo para que as escolas de ensino fundamental e médio adotassem o início das aulas mais tardio.

Após a mudança, os adolescentes poderiam aproveitar mais horas de sono (o recomendado é de oito a 10 horas por noite). Assim, poderiam melhorar a saúde física e mental, a qualidade de vida e potencializar o desempenho escolar.

“As pesquisas indicam que o adolescente comum na sociedade atual possui dificuldade em adormecer antes das 23 horas e está mais disposto a acordar a partir das oito da manhã”, diz a declaração.

Dados de uma pesquisa da Fundação Nacional do Sono mostram que 59% das crianças do sexto ao oitavo anos e 87% dos estudantes de ensino médio nos Estados Unidos declaram estar dormindo menos do que a quantidade recomendada.

Mais do que um em cinco destes estudantes declaram cair no sono enquanto fazem a lição de casa pelo menos uma vez na semana.

Sono do adolescente: mais horas de sono, melhor rendimento escolar

Com tantas evidências indicando que atrasar o horário de entrada na escola pode levar a mais horas de solo, menos cansaço e melhor desempenho escolar, a troca parece uma decisão inevitável.

A AAP recomenda que as escolas comecem às 08h30 ou mais tarde, contudo, os dados mais recentes do Departamento Americano de Educação mostra que mais de 80% das escolas públicas dos Estados Unidos começam mais cedo do que isso (quase 10% iniciam antes das 07h30).

Alguns dados indicam que dormir menos de 8,5 a 9 horas em dias letivos pode contribuir para o aumento da obesidade, ocasionando também alterações de humor e diabetes.

Outros dados vincularam o sono insuficiente a uma alta dependência de substâncias como cafeína, tabaco e álcool. Não dormir o suficiente também pode interferir no desempenho escolar de crianças e adolescentes.

“Também existem dados persuasivos que apoiam o fato de que atrasar o horário de início das aulas é uma intervenção importante para atenuar o impacto da perda de sono”, revelou a Dra. Judith Owens, diretora de medicina do sono no Hospital Infantil de Boston.

A autora da declaração do AAP à revista TIME sugeriu que, se as escolas fizessem a transição, haveria mais tempo para prevenir alguns daqueles resultados negativos.

Mesmo um adiamento de meia-hora no início das aulas pode ter efeitos notáveis na melhoria da saúde da criança e no seu desempenho escolar.

A pesquisa chamou a atenção de alguns educadores muito influentes. “Esta é uma decisão completamente local, mas eu gostaria de ver mais distritos escolares considerando adiarem o horário de entrada”, disse o Secretário de Educação americano Arne Duncan.

“Atrasar o horário da primeira aula poderia ajudar a impulsionar o rendimento escolar dos estudantes e a reduzir atrasos e faltas. Nosso senso comum nos diz que estudantes sonolentos não vão bem na escola, mas a pesquisa também existe para reforçar a ideia.

Os estudos mostram que quando os estudantes estão descansados, ficam mais alertas e prontos para aprender”.

Perrin Jones, um adolescente no terceiro ano da escola Saratoga Springs High School em Saratoga Springs, New York, é um exemplo de como dormir mais pode fazer toda a diferença na vida de um jovem.

Ele acorda todos os dias às 05h30 para terminar a lição de casa. Às 06h50 sai de casa para chegar a tempo na escola, que começa às 07h49. Jones assiste à praticamente todas as aulas e ainda é voluntário no departamento de tecnologia da escola durante o dia.

Para não se atrasar aos compromissos, Perrin pula o horário de almoço. Após o almoço ele tem pelo menos uma reunião no clube da NASA e do clube de física, dos quais ele faz parte. Às 18h30 ele vai ao cinema local, onde trabalha no controle de som.

Jones chega em casa por volta das 23h00, e então começa três horas de lição de casa. Ele diz que consegue manter quatro horas de sono, em média. Por vezes, dorme seis horas em um dia “mais tranquilo”.

“Eu não sei como eu consigo continuar com tão pouco sono, mas eu consigo. Parece que eu preciso aprender como sobreviver sem dormir para sair vivo do ensino médio”, diz Jones.

“Seria ótimo se a escola começasse um pouco mais tarde, eu definitivamente gostaria de um sono extra, mesmo se fosse meia hora”.

Trevor Weinrich, aluno do último ano da escola Rockhurst High, na cidade de Kansas, Missouri, mantém um cronograma parecido. Das 5h00 até 7h00 ele treina natação. A escola inicia às oito da manhã e vai até 15 horas, e ele frequentemente pula o almoço para ter aulas de canto.

Das 15h30 às 18 horas, Trevor pratica natação novamente, seguido do ensaio do coro. Durante a primavera ele estava em três produções musicais ao mesmo tempo, e tinha ensaios até 21h30.

“Minha lição de casa leva em média de duas a 2,5 horas por noite. Em muitas noites eu janto perto das nove ou 10, e não vou para a cama até uma ou duas da manhã”, ele diz.

Weinrich e Jones se mostram estudantes ambiciosos, mas agenda lotada não é exclusividade deles. Este é um problema enfrentado por muitas escolas — adolescentes estão assumindo obrigações em excesso e cansados demais. Então por que tão poucas escolas fizeram a alteração?

Porque não é tão simples quanto parece convencer uma comunidade inteira a mudar seus horários.

Cinco anos atrás, a escola Sharon High School, em Sharon, Massachusetts, decidiu adiar o horário de entrada após aproximadamente oito meses de deliberação.

Uma força tarefa de representantes do comitê da escola, do departamento atlético, professores, pais, e estudantes decidiu que a escola deveria adiar o horário de entrada em 40 minutos, passando das 7h25 para as 8h05.

“Se [a alteração] fosse para ajudá-los a viver uma vida melhor em alguns aspectos então seria a decisão certa a seguir, e no fim foi o que decidimos”, disse o diretor da Sharon High School, Jose Libano.

“Nós nunca retrocederemos. Não existe uma criança neste prédio que dirá que prefere estar aqui às 7h15 da manhã. Nenhuma”.

Um ano após a mudança, a escola realizou uma enquete com os alunos, professores e pais e descobriu que pais e estudantes largamente sentiram que a mudança foi positiva, enquanto alguns professores ficaram mais divididos.

Os professores sentiam um melhor desempenho deles mesmo em um horário matinal mais cedo. Ainda assim, houve um declínio notável em questões de atraso para o início das aulas, e os professores relataram que desde a alteração, os estudantes parecem estar mais alertas e menos letárgicos durante a primeira aula.

“Eles tendem a estar mais ativos e dispostos a participar das discussões, se oferecem para ir à lousa, ou se empenham nos trabalhos em grupo, porque eles dormiram mais à noite”, diz a professora de latim Jen Orthman, da Sharon High School.

“Eu acredito que apesar de alguma resistência inicial à mudança, a maioria dos professores aprecia ter um tempo adicional pela manhã para se encontrar com os estudantes, colaborarem com os colegas, partilhar em reuniões e organizar as salas de aula para o dia”.

Claro que houve um período de adaptação, assim como há a tendência com a maioria das escolas que concordam em adiar o horário inicial.

Já que a vida em comunidade gira em torno dos horários das escolas públicas, muitos fatores — desde jogos esportivos até horário de funcionamento dos parques — precisam ser levados em consideração. Sem mencionar que sempre existe recuo dos pais que ficam preocupados com o impacto que o horário mais tardio terá no cronograma pós-aulas dos seus filhos.

Outras escolas que adotaram mudanças similares também notaram benefícios positivos. Um estudo de três anos da Universidade de Minnesota publicado em 2014 mostrou que as escolas que começavam às 08h30 – ou mais tarde – permitiam que 60% dos seus estudantes tivessem pelo menos oito horas de sono por noite.

Os jovens que obtinham menos do que isso relataram maiores níveis de sintomas de depressão, mais uso de cafeína e estavam em maior risco de fazerem escolhas ruins com relação ao uso de drogas.

As escolas que começavam às 8h35 ou mais tarde obtiveram melhores taxas de presença, apresentaram queda nos atrasos dos alunos e melhor desempenho acadêmico em áreas de matérias principais e em testes nacionais de conhecimento.

O relatório também mostrou que o número de acidente de carros envolvendo motoristas jovens foi reduzido em 70% quando uma escola alterava o início das aulas de 7h35 para 8h55.

No condado de Wake, Carolina do Norte, um estudo mostrou que adiar  o horário inicial das escolas em uma hora poderia aumentar de 2% a 3% o rendimento dos alunos em testes de matemática e de leitura. O resultado foi ainda maior entre os estudantes que estavam com dificuldades de aprendizado.

É possível mudar o horário escolar em prol do sono do adolescente?

Apesar de todas as comprovações, conseguir a mudança de horários ainda era uma façanha difícil de ser conseguida. “Houve muitos obstáculos. Isso foi um divisor”, relata Libano sobre o ano em que as escolas adiaram o horário de entrada. “Este é um tópico que gera muitas emoções porque é uma mudança significativa”.

Significativa deve até ser uma sutileza. Sharon High School teve sorte; os ônibus locais conseguiram alterar seus horários sem que a escola arcasse com custos adicionais. Mas as escolas de ensino fundamental e primário tiveram que mudar seus horários de início também para acomodar o ensino médio.

Os funcionários da Sharon tiveram que ir às outras escolas no distrito contra as quais elas competiam em atividades extracurriculares e esportivas, e pediram que elas planejassem as competições de acordo [com a mudança de horário].

Sharon também começou a regulamentar por quanto tempo os estudantes poderiam ficar presos aos treinos após a escola. Essencialmente, a comunidade estava disposta a adaptar-se.

“É muito complicado mudar os horários de uma escola ou distrito porque a vida em comunidade gira em torno dos horários escolares”, afirma Terra Ziporyn Snider, o co-fundador e diretor executivo da Start School Later, um trabalho sem fins lucrativos para convencer as escolas públicas a mudarem seus cronogramas.

“Isso é verdade mesmo que você não tenha filhos. Impor uma alteração de horário em uma comunidade que não esteja disposta é politicamente impopular”.

O horário de início das aulas afeta o fluxo de tráfego, horários das creches, pequenos negócios que empreguem estudantes de ensino médio, e o horário de funcionamento dos parques.

Embora todo esse ajuste possa causar sérias brigas, Snider diz que se a mudança é feita da maneira correta, toda a comunidade é envolvida na implementação, e isso dá certo sem empecilhos.

Na maioria das vezes, de acordo com Snider, as pessoas apenas não querem mudar seu status quo. “O medo do impacto é incrivelmente poderoso politicamente”, ela afirma. “É o medo da mudança e fracasso da imaginação.

Não significa que porque você mudou o horário, de repente você não pode praticar esportes porque a saída da escola é uma hora depois. Mas as pessoas realmente acreditam naquilo e isso pára o caminho da mudança”.

Uma preocupação comum entre os críticos dos horários de aula tardios é se adiando a escola irá apenas significar que os estudantes durmam até mais tarde e ainda chegaria atrasado na escola. Porém, existem evidências que indicam que esse geralmente não é o caso.

Um estudo de 2002 com alunos do ensino médio de Minneapolis mostrou que depois que os distritos escolares da cidade alteraram a entrada na escola das 7h15 para 8h40, as crianças que haviam alterado o horário da escola tinham o horário para dormir semelhantes aos estudantes que não mudaram, resultando em uma hora adicional de sono.

Um estudo de 2010 em uma escola que adiou o horário de entrada em 30 minutos demonstrou que a média do horário para dormir foi alterada para 18 minutos antes, e a média relatada da duração do sono do adolescente aumentou 45 minutos.

Se os adolescentes são biologicamente programados para irem dormir em uma determinada hora, adiar o horário de entrada significa que eles têm mais tempo de manhã quando seus corpos desejam dormir até mais tarde.

E se seus horários circadianos estão mantendo-os acordados à noite, não é um problema tão grande assim.

“Existe zero evidência de que os horários atuais estejam fazendo bem à alguém e muita evidência de que eles estão causando muitos danos”, afirma Snider.

“Não estamos falando em deixar as crianças dormirem até 13h00 todos os dias, estamos falando sobre deixar eles dormirem até sete ou oito da manhã. Esta não é uma proposta tão radical”.

Dormir bem é questão de saúde!

Para as comunidades que desejam assumir a luta por um horário de entrada tardio, Snider recomenda construir um argumento sobre o sono do adolescente como o terceiro pilar da saúde, depois de comer e exercitar-se, um argumento que os especialistas em saúde pública estão cada vez mais promovendo.

Start School Later tem 43 comitês locais por todo o país que ficam disponíveis como recurso. Trazendo fontes e consultores de fora, por exemplo, das escolas que já assumiram o desafio, pode deixar o processo mais suave, afirma Snider.

É difícil dizer quantas escolas já fizeram a transição para um horário de início mais tardio, já que algumas fazem isso individualmente e outros como um distrito, mas o interesse está aumentando.

Líbano recebe e responde inúmeras ligações das escolas perguntando sobre a mudança, e o Departamento Americano de Educação afirma ao TIME que os distritos de Portland, Maine, até Ann Arbor, Michigan, passando por Durham, Carolina do Norte, estão vislumbrando mudar os horários de entrada.

“Enquanto a decisão de quando começar as aulas cabe a cada um dos 15.000 distritos escolares do país, o Departamento está interessado em como os esforços locais inovadores impactam o desempenho estudantil”, afirma Duncan.

“Sistemas escolares não conseguem continuar este trabalho sozinho — o envolvimento dos pais é crucial para assegurar sucesso para todos os estudantes”.

Em 2011, Fairfax County, na Virgínia, fez uma pesquisa com seus alunos de 8º, 10º e 12º anos para checar o quanto eles estavam dormindo por noite.

O resultado mostrou que menos do que um quarto dos estudantes do último ano estavam obtendo sete ou mais horas de sono. Os dados provocaram o distrito a criar uma parceria com a Divisão da Medicina do Sono do Centro Médico Nacional Infantil para mais tarde estudar as rotinas de sono de seus alunos.

Ano passado, o comitê da escola votou pela entrada tardia na escola. No outono, os estudantes de ensino médio das mais de 20 escolas em Fairfax County, que costumavam estar na escola às 07h20, podem virar para o lado e descansar.

As escolas estão agora começando entre 8 horas e 08h10, o que não é exatamente a recomendação da AAP de 08h30, mas já é um começo.